A afirmação de que “o Judiciário se configura como a forma jurídica do capitalismo, assim como o Estado é a sua forma política”, proveniente de texto texto elaborado pelas Mulheres da JAE-Santa Maria ainda em 2017, é profundamente relevante para a compreensão do papel do sistema judiciário na sociedade contemporânea. Essa perspectiva nos leva a refletir sobre como o Judiciário não é apenas um mecanismo de resolução de conflitos, mas também uma ferramenta de controle social que pode reforçar desigualdades estruturais existentes.
Para embasar essa afirmação, podemos recorrer a dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que revelam que a população negra e as mulheres são desproporcionalmente afetadas pela violência policial e pelo encarceramento em massa. Essa realidade evidencia que o sistema judiciário, ao invés de servir à justiça, muitas vezes se torna um instrumento de opressão.
Além disso, a análise das decisões judiciais revela que questões de gênero, raça e classe estão entrelaçadas, e que o Judiciário frequentemente falha em reconhecer essas complexidades. O feminismo latino-americano, com suas vozes diversas, nos ensina a importância da interseccionalidade, mostrando que as opressões não são isoladas, mas interligadas. Autoras como Angela Davis e bell hooks enfatizam que as lutas feministas devem considerar as especificidades culturais e históricas de cada contexto, revelando como a ausência de uma abordagem interseccional no Judiciário contribui para a reprodução das desigualdades sociais.
Além disso, o contracolonialismo brasileiro propõe uma crítica ao legado colonial que permeia as instituições, incluindo o Judiciário. Autores como Silviano Santiago e Djamila Ribeiro nos convidam a repensar o papel do Judiciário na promoção da justiça social, defendendo uma descolonização das práticas jurídicas que considere as vozes e experiências dos povos historicamente oprimidos.
Nesse contexto, a pedagogia do oprimido de Paulo Freire emerge como uma ferramenta essencial para a conscientização. Freire argumenta que a formação de uma consciência crítica sobre as injustiças do sistema é fundamental para que as pessoas possam reivindicar seus direitos de maneira efetiva. O Judiciário, ao reduzir situações sociais a ritos processuais, desconsidera a necessidade de uma educação crítica que empodere os cidadãos a questionar e desafiar as estruturas de opressão.
Diante dessas reflexões, surge a necessidade de um Judiciário que não apenas resolva conflitos, mas que promova a justiça social. Isso implica a implementação de políticas que garantam a diversidade e a representatividade dentro do sistema, além de uma formação contínua para magistrados e servidores sobre questões de gênero, raça e classe. O fortalecimento de mecanismos de participação popular nas decisões judiciais é uma proposta viável para tornar o Judiciário mais acessível e responsivo às necessidades da sociedade.
Assim, ao considerarmos as contribuições do feminismo latino-americano, do contracolonialismo brasileiro e da pedagogia do oprimido, vislumbramos um caminho para a transformação do sistema judiciário. No entanto, a questão que permanece é: como podemos construir um espaço de justiça verdadeiramente inclusivo e equitativo, que reconheça e enfrente as determinações estruturais que perpetuam a opressão? Essa indagação nos convida a uma reflexão contínua sobre o papel do Judiciário em nossa sociedade e sobre as possibilidades de um futuro mais justo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário